MARINA ROMBALDI
Três dispositivos-cor para a transformação da relação corpo-espaço urbano
2021








Intervenção urbana performática
Dimensões variáveis
Captação de edição: Ingrid Bellenzier
Fonte: Acervo pessoal da artista (2021).
Três dispositivos-cor para a transformação da relação corpo-espaço urbano (2021) é um projeto constituído na experiência, na alteridade e na imanência do corpo, ativados direta e indiretamente por cada um dos dispositivos criados. A foto performance apresentada, que surge a partir da criação de cada um desses dispositivos-cor [Espiral-cor[1], móbile-cor[2] e corpo in situ[3]], se constitui a partir de uma cartografia de reconhecimento do urbano, apontando para a liberdade existencial que existe como potência fruidora do espaço público - espaço no qual cada indivíduo pode vir a construir suas próprias percepções e existências. Nessa ação performática aberta aos devires, o espaço ocupado é a atual Praça das Feiras (bairro São Pelegrino, na cidade de Caxias do Sul/RS), espaço no qual funcionava a antiga Estação Férrea e, hoje, transformada, é uma espécie de via cimentada que atravessa duas ruas principais, com alguns bancos nada confortáveis e toda uma arquitetura e um paisagismo nada convidativos. Mais do que um local para estar, se constituiu como uma via de passagem rápida para pedestres.
Constituir um território existencial, uma presença-distante, constituir uma realidade outra. O corpo vibrátil se expande e se torna objeto, simbologia que ocupa um espaço. Canais de passagem para a existência. O desejo de habitar com o corpo, por hora, passa a ser transformado em uma possibilidade de habitar de outra forma. Habitar com simbologias e símbolos – os dispositivos-cor – que possam, eventualmente, simular uma presença corpórea em uma cidade que também é corpo.
Essa sensibilidade que faz prevalecer no trabalho se insere no campo da experiência, do experimental e do encontro. Os desafios são sempre motores de criação de sentido. Criar um grau de possibilidade de habitar com aquilo que não é necessariamente corpo, mas, que a partir do corpo vibrátil se cria, por onde atravessam afetos que são resultados de encontros e que reverberam novos desejos, criando potencialidades para novos mundos. É no limite da cada um dos dispositivos-cor que o corpo se constitui e vai, progressivamente, constituindo a sua experiência no espaço.
[1] Espiral-cor é um elemento utilitário retirado do espaço urbano e incorporado na foto performance, indiciando um fluxo, um circuito que inicia em um ponto e se projeta em direção a outro. Estralando a cor laranja sob a luz do sol, o vermelho-alaranjado flui em uma espécie de sinergia da cor. O elemento cria quase que um corpo vivo, marcando a presença de uma organicidade que traz a cor como identidade, revelando uma surpresa visual. A espiral-cor remete ao movimento de um corpo que roda em seu eixo em tamanha potência expansiva que chega a criar uma tubulação energética e colorida. Essa vivacidade que a cor pode ter como presença no espaço é disparadora da transformação do espaço urbano contemporâneo; a cor como sentido, como ação e sensação.
[2] O móbile é um objeto colocado em cima das camas de crianças e, juntamente com o ambiente, através dos seus efeitos visuais, contribui para a elaboração do imaginário, da noção de tempo e na construção da identidade, dado o fato que possibilita a interação da criança com o mundo, com seu próprio corpo e com as coisas ao seu redor. Alteridade. Em um exercício criativo dentro do ateliê, nesse cenário pandêmico que vagarosamente se arrasta, me perguntava como dar seguimento à produção criativa, dado que os meios que me disponibilizam latências se encontram, por muito, em território urbano coletivo. O móbile-cor se constitui como um objeto relacional, estabelecendo correlação com o corpo e do corpo com o espaço. Os volumes que pendem, o movimento que se cria, as diferentes matérias que se relacionam. Em cada um desses ladrilhos pendurados uma palavra está escrita, relacionando o corpo com o imaginário, com a sensibilidade do olhar, com a possibilidade de operar além do visível, constituindo movimentos de desejo e ocupação do território coletivo.
[3] Corpo in situ se forma como uma veste. Tecido que se torna um aparato de expansão do corpo. Através da trama, leve e com transparência, é um filtro de cor e de experiência em relação ao mundo, o movimento, a expansão, a ampliação do corpo, suscetível ao espaço. Recriando o movimento da espiral alaranjada encontrada, o tecido também cria uma energia fluida, uma outra camada de percepção visual, corporal e sensível em relação a experiência corpo-mundo. Um aparato de observação dos fluidos e fluxos. Um exercício ativo de pesos, medidas, intensidades e contrastes. Reinventar o modo de mover, de fazer presença e de existir enquanto potência politica através da ideia de plurissensorialidade, que tem como intuito questionar modelos de existência a partir do contato com o espaço, com outras formas de enunciação e atravessamentos de sentidos em um corpo que está à deriva. Ou seja, um quase-parangolé, dispositivo que rompe os contornos e esboços do corpo, desfazendo e desestabilizando o corpo de sua forma natural e colocando a exigência da construção de um novo corpo, novos modos de sentir, pensar, agir e ver. Dispositivo que cria uma espécie de habitação para o corpo, um casulo expansivo, marcando, principalmente, a percepção do movimento do corpo em relação a sua presença naquele espaço aberto.